sexta-feira, 24 de março de 2017

Este choro silencioso e manso
que mal se vê e se sente
que me molha a face
descontente
que me toca e inunda
como um barco que lento se afunda
em pleno mar
Este choro que não parece
mas que tece
flores azuis nuns olhos
que não são meus
Este choro que é vertigem
que desconheço a origem
mas que me deixa assim
à boca de água
a tantas
milhas de mim
Este choro que mais não é
que raiva, amor e ódio
gotas de cloreto de sódio
tanto que já nem sei
se choro agora
ou se já chorei
por toda uma vida
Sei que me afogo
sem querer
engulo a dor
ninguém precisa de a saber
tão pungente
como se fora um ferro quente
a marcar_me como gado
Estás em todas as lágrimas
em todo o lado
como se um mar imenso
me inundasse
e eu só te tivesse a ti
para lembrar
Quisera eu pertencer-te
de forma tão intrínseca
e indissolúvel
como o céu é das estrelas
o mar dos rochedos
a raiz é da flor
os espinhos são da rosa
Quisera eu ser-te
como tu és em mim
gostares de mim
como eu amo tudo o que vem de ti
até o teu silêncio e a tua crueldade
Mas em vez disso
coloco os olhos ao nivel dos dedos
a alma bem rente à boca
os braços em V tombados sobre o ventre
e desfaço-me em gritos e versos
que tu não sentes nem ouves
e que, por algum motivo
que eu fingo não entender,
jamais te tocam

quarta-feira, 22 de março de 2017

FOI LONGE!
Quando quis ir
e as pernas me falharam
quando senti que o chão
era de aço
e o céu do mais puro chumbo
quando o meu cansaço
não me deixava prosseguir
quando o meu desalento
vinha do fundo
da minha alma
quando senti saudade
e não te tive
quando o céu beijava o mar
e eu ali tão perto
Quando os meus olhos
nada viam
só deserto
quando quis sorrir
mas era meu espectro
de felicidade que via no espelho
Quando quis chamar teu nome
e foi eco que recebi
Quando finalmente percebi
que tinha de ser eu por mim apenas
e mais ninguém
Não mais me importou
onde me sentei
que céu olhei
que palavras dedilhei
no céu da boca
pois independentemente
do caminho traçado
do chão calcorreado
dos passos bons ou maus que dei
meu coração sentiu que tinha chegado
e aí eu parei
Parei de te procurar
e milagres dos milagres
me achei!
Quero o perfume das flores
lavrado nas minhas costas
quero as dúvidas todas
e as respostas
Quero a luz que vem do teu olhar
a tardinha a desmaiar
refém da tua ternura
Quero a tempestade
a ventania
e o prado verde
cercania
da minha cidade
fonte da minha amargura
Quero os versos sem idade
que ao longo de anos compus
quero que em mim recaia a saudade
as sombras e a luz
Quero esse amor louco
que me consome
quero o verbo e o pronome
porque só o sujeito é pouco
e quero meu amor
mais que tudo nessa vida
o teu beijo mel em mim cravado
na hora da despedida
De quantas palavras precisas
para cederes ao apelo dos meus braços?
De quantas luas precisas
para te sentires céu ?
E de quantas fogueiras que te aqueçam a alma?
Quantos ventos terás de enfrentar
até cederes ao remoinho do teu corpo?
E de quantas chamas são feitos os teus versos
que ardem na ponta dos dedos?
Com esses dedos que não me tocas?
Diz-me de que cor é o mar que trazes nos olhos
e o sal que vem em cada beijo que não damos?
Alguém me disse um dia que amar
não implica tristeza nem solidão
mas há um brilho baço em cada olhar nosso
feito de finos fios de desejo e saudade